Por Mariana Mesquita
“A mão quase não fechava. Nossos dedos estavam inchados e com várias feridas. Mas depois de sete dias de trabalho e quatro de escalada não tinha mais volta, e a única saída era o cume”, diz Karina Filgueiras, 45 anos, sobre os riscos enfrentados por ela e seu parceiro Bito Meyer, 55 anos, no último dia 27 de agosto. Nessa data os dois conquistaram uma nova via em rocha no mítico Paredão Enamorados, no portal das Agulhas Negras, próximo ao Parque Nacional do Itatiaia (RJ). A nova via ganhou o nome de No Amaryllis.
Passaram-se 12 anos até que fosse feita essa nova investida para escalar o Enamorados. No local havia apenas uma rota conhecida como Mãe Natureza e aberta em 2010. Não à toa: imponente, vertical e geralmente envolvida por nuvens, a parede está a 2.000 metros de altitude, e lá as condições climáticas são geralmente adversas.
A graduação da via já foi definida e é a seguinte 6° VIIb D4 E3. Ou seja: o grau é considerado um pouco forte e o perigo de exposição é alto, já que se trata de uma via longa, demorada e com grande altitude.
Em entrevista à Go Outside online, Karina conta como foi a escalada.
GO OUTSIDE: Quando surgiu a ideia de abrir a via?KARINA FILGUEIRAS: É comum escalarmos no Parque Nacional do Itatiaia, e toda vez que passávamos pela estrada parávamos para admirar o paredão. Neste ano, quando estivemos no local em maio, decidimos iniciar uma investigação mais detalhada da parede. Sabíamos que o acesso era extremamente complicado e cruzava a densa mata atlântica da serra da Mantiqueira, desde a Garganta do Registro até a base da parede. Munidos de uma boa dose de disposição, também conversamos com alguns amigos que moram na região, e eles nos ajudaram a encontrar uma trilha que desse acesso a parede. Fizemos várias fotos de alta resolução e examinamos a parede com binóculos, tudo para podermos estudar o melhor itinerário.
Depois da logística, como vocês se prepararam para encarar o desafio? Foram mais de 80 quilos de equipamentos, e tudo foi transportado apenas por nós dois. Optamos por não contratar carregadores. Na parte física, nós estamos sempre escalando e conquistando novas rotas de escalada, então já temos uma condição física e psicológica para esse tipo de trabalho. Mas como desta vez estaríamos entrando numa parede desconhecida e que fica a 2.000 metros de altitude, dedicamos os últimos três meses a longas escaladas, treinos de fortalecimento muscular e aeróbico e um cuidado especial com a alimentação.
É sempre bem curioso o nome dado as vias. Por que vocês escolheram No Amaryllis?
Escolhemos o nome durante a abertura da via. Amaryllis (nome científico Amaryllidaceae) é uma flor vermelha, linda e selvagem que enfeitava o paredão, quebrando a monotonia da cor cinza escuro, característico daquela rocha.
Durante a viagem, qual o momento mais difícil? Desde o começo sabíamos que seria difícil. Afinal, estávamos entrando no desconhecido, determinando uma nova rota. Uma verdadeira escalada tropical. Foram vários os momentos de risco, o que é inerente a uma escalada como essa, por ser uma nova rota. Enfrentamos muitas pedras soltas e grandes (com 10 e até 15 quilos) e que a todo o momento rolavam ou caiam e poderiam cortar nossas cordas ou até mesmo cair sobre nós.
Quais os planos futuros?
Muitos. Queremos seguir buscando novos desafios e novas paredes de rocha para serem escaladas e colaborar para o desenvolvimento do esporte ainda bastante desconhecido dos brasileiros.