REVIRANDO MEUS ARQUIVOS ENCONTREI UM ANTIGO EXEMPLAR DO MOUNTAIN VOICES DO ANO DE 1992.
Fato histórico que relembra as origens de escaladas importantes da região, numa época aonde não havia ainda a internet de hoje, que felizmente nos dá mais e melhores opções de registro e pesquisa.
Prestem especial atenção na parte em que os autores descrevem a participação dos escaladores na via, e tenham boas surpresas...notem como alguns fatos são distorcidos com o passar dos tempos.
Vejam abaixo a reprodução na íntegra da matéria, boa leitura!
MOUNTAIN VOICES ANO III NÚMERO 13 SET/OUT 1992 Cr$8.000,00
FACE NORTE DA PEDRA DO BAU - O PROJETO TKTS
A conquista da via "Distraídos Venceremos" na face Norte da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí (São Paulo) é sem dúvida uma das principais vias de escalada em rocha abertas recentemente no pa ís, podendo ser considerada a principal via deste' conjunto montanhoso, sendo seus protagonistas, Bito Meyer e Edson Struminski (Du Bois), de Curitiba, Eliseu Frechou, atualmente morando em São Bento e José Luiz Pauletto, de São Paulo.
Por outro lado, pela cobertura jornalística que recebeu, acabou tornando-se o evento montanhístico do ano.
Por outro lado, pela cobertura jornalística que recebeu, acabou tornando-se o evento montanhístico do ano.
Aspectos da via
A "Distraídos Venceremos" desenvolve-se no trecho mais extenso de rocha exposta da Pedra do Baú, na face voltada para São Bento, intercalando nas 3 e 4 cordadas iniciais, rampas de aderência ou agarras, com pequenas fissuras, diedros ou fendas de mão, que foram percorrido em escalada natural, sendo a proteção feita com equipamento móvel (friends grandes e nuts também grandes), 3 paradas (finais de cordada) foram feitas originalmente em móvel ou em proteção natural (árvore) e uma parada em chapeletas. A dificuldade máxima encontrada neste trecho está em torno do 5° grau.
A cerca de 120 metros do chão instalou-se em bivaque para pernoite que foi mantido até o final da conquista, em platôs de vegetação secundária (capim) e que serviu de ponto de partida no ataque à parte mais difícil da escalada, um trecho vertical que na maior parte é negativo e que consumiu os dias restantes da conquista. Procurou-se evitar nesta parte o uso desnecessário de proteções fixas na pedra, algo que a ética moderna de montanha classifica como "escalada limpa". Um pequeno trecho em artifical fixo (rebites), foi aberto com o auxílio de uma furadeira elétrica, permitindo economia de tempo e do desgaste natural que ocorreia se o mesmo trecho tivesse de ser aberto no martelo. Nos cerca de 90 m deste trecho encontrou-se nesta primeira ascenção dificuldades naturais de até 7° grau, e artificiais de A2 a A3.
Toda esta parte da escalada, com coloração avermelhada característica, apresentou grandes problemas aos escaladores em vista da descamação da rocha na forma de placas que iam desde pequenas agarras até platôs inteiros com dezenas de quilos, apresentando possibilidade de queda iminente para o guia e bombardeio garantido a quem ficasse abaixo.
A uns 20 m do cume a parede volta a apresentar-se mais simpática, com fissuras que permitiram o uso de material móvel, além de surgir um belíssimo platô (platô do anoitecer). A dificuldade desta passagem, em torno de 5° grau, pode aumentar no caso de umidade (neblina, chuva), como ocorreu durante os dias de escalada.
Personagens
Outros acontecimentos e pessoas tiveram destaque nesta história e por isso merecem ser citados.
• O acidente com Elizabeth B. Frechou: este acidente ocorreu durante algumas tomadas para o programa Fantátisco da Rede Globo, após os repórteres pedirem ao escalador Pauletto para puxar um saco de lona com equipo que iria ser usado na escalada. Depois desta cena Pauletto prosseguiu no reboque do saco enquanto o pessoal abaixo se organizava para nova tomada. 15 metros acima o saco engatou em uma grande pedra que soltou-se após pressão para liberar o reboque, atingindo Elisabeth. Rapidamente organizou-se o atendimento e evasão do local, enquanto pessoas desciam até São Bento em busca de socorro médico. Os repórteres da Globo acabaram entrando na roda e dividiram o trabalho de remover Beth até a ambulância, que já havia chegado nesta altura. O resgate foi bem sucedido e Beth já se encontra em recuperação no momento em que este texto é escrito, apesar de 8 costeias quebradas. No momento do acidente, cerca de 12 pessoas encontravam-se na base da parede, além de equipo de escalada, material fotográfico, de vídeo, etc. O saco de reboque acabou parcialmente destruído.
• A idéia de que a equipe do Baú pretende escalar o Everest em 93: trata-se de uma pretensão até o momento apenas de Pauletto, que apresentou-se na imprensa como "o mais experiente dos 4 alpinistas que escalaram a Pedra do Baú" e chefe da expedição "Everest 93", os demais escala- . dores que participaram do evento tem, como é natural, inúmeros projetos dentro do montanhismo,. abstendo-se porém de divulgá-Ios, em respeito ao próprio evento em si.
• Personagens fantasmas: ectoplasmas que estão em moda na crônica recente de nosso país e que apareceram também na escalada do Baú.
1. O "Japonês Taradão": conhecido escalador paulista que logo que soube da realização da via apressou-se em aparecer em São Bento, exigindo um croqui da via, para repetí-la imediatamente.
2. O "espeleólogo trapalhão": explorador de cavernas e fotógrafo free-Iancer que cobria a escalada para uma revista de aventura e esportes de ação, este simpático e prestativo personagem, acabou no entanto vrtima de um descuido durante uma descida noturna, causando um acidente e destruindo parte do seu equipo fotográfico.
3. Piton e Nut: vira-latas de Eliseu Frechou: pulavam em cima de todos os repórteres que apareceram em São Bento.
• Croqui da via: foi apresentado pelo escalador Pauletto um croqui da via em um jornal paulista, com incorreções e denominações inexistentes. O croqui ilustrativo apresentado nesta matéria pode ser considerado o mais exato. Croquis técnicos podem ser solicitados aos demais escaladores.
· A participação dos escaladores na via:
1. Eliseu Frechou: organizador do evento, contatando escaladores, profissionais da imprensa, patrocinadores e pessoal de apoio. Participou de 2 bivaques (pernoites) na parede, auxiliou nas tarefas de reboque do equipo, trabalhos fotograficos, conquistando cerca de 10 metros em escalada natural no trecho mais difícil da escalada, colocando uma - proteção fixa (rebite).
2. Edson Struminski (Du Bois). Abriu 3 cordadas cerca de 120 m em natural com equipo móvel no trecho inicial da escalada, um pequeno trecho em natural na parte mais difícil da parede, com uma proteção fixa e os 20 m finais da via também em móvel, participou de todos os bivaques feitos na parede e realizou as tarefas comuns aos demais do grupo.
3. José Luiz Pauletto: também participou das atividades gerais do grupo. Abriu a primeira cordada (cerca de 25 m) em natural, móvel da via, fixando 2 rebites ao final do trecho, 5 metros na segunda parte da escalada, com um rebite colocando ainda 4 rebites fixos em uma parada anteriormente feita em móvel por Du Bois. Participou de alguns bivaques na parede, retirando-se durante a escalada papra prestar declarações em jornais de São Paulo e emissores de TV voltando posteriormente para a conclusão da via.
4. Bito Meyer: realizou como todos, as tarefas gerais do grupo, permaneceu em todos os bivaques necessários para a conclusão da via. Abriu os cerca de 90 metros mais difíceis e delicados da parede em escalada artificial móvel e fixo e natural móvel e fixo.
O nome "Distraídos Venceremos" é uma homenagem a leveza de espírito do poeta paranaense de alma universal Paulo Leminski; um estudioso da filosofia oriental Zen, a qual possui muitos pontos em comum com o despojamento necessário para a realização de escaladas difíceis. Leminski escreveu entre outros um livro de poemas com o título dado ao nome desta escalada e que vale a pena ser lido.
Bito Meyer, PR Eliseu Frechou, SP
Considerações
Como acontece nos bons filmes, a via "Distraídos Venceremos" acabou sendo um sucesso de público e de critica. A imprensa preencheu suas necessidades de assuntos interessantes para os seus consumidores, o patrocinador, a empresa de confecção TKTS teve amplo e variado retorno para os dólares investidos no evento, declarando-se plenamente satisfeita com o trabalho profissional os se a res; a população de São Bento sentiu-se lisonjeada com a divulgação da cidade, retribuindo isto de forma carinhosa e hospitaleira e, finalmente, os montanhistas em geral acabaram recebendo uma nova via de escalada que, se não é a "melhor" ou coisa parecida do Brasil, certamente exigirá conhecimentos e experiência, brindando em troca aos escaladores que forem repetí-la momentos de puro prazer no exercício da moderna técnica de escalada em rocha.
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