quarta-feira, junho 24, 2009

DISTRÁIDOS VENCEREMOS FACE NORTE BAÚ


REVIRANDO MEUS ARQUIVOS ENCONTREI UM ANTIGO EXEMPLAR DO MOUNTAIN VOICES DO ANO DE 1992.

Fato histórico que relembra as origens de escaladas importantes da região, numa época aonde não havia ainda a internet de hoje, que felizmente nos dá mais e melhores opções de registro e pesquisa.

Prestem especial atenção na parte em que os autores descrevem a participação dos escaladores na via, e tenham boas surpresas...notem como alguns fatos são distorcidos com o passar dos tempos.

Vejam abaixo a reprodução na íntegra da matéria, boa leitura!


MOUNTAIN VOICES ANO III NÚMERO 13 SET/OUT 1992 Cr$8.000,00
FACE NORTE DA PEDRA DO BAU - O PROJETO TKTS

A conquista da via "Distraídos Vence­remos" na face Norte da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí (São Paulo) é sem dúvida uma das principais vias de es­calada em rocha abertas recentemente no pa ís, podendo ser considerada a principal via deste' conjunto montanhoso, sendo seus protagonistas, Bito Meyer e Edson Struminski (Du Bois), de Curitiba, Eliseu Frechou, atualmente morando em São Bento e José Luiz Pauletto, de São Paulo.
Por outro lado, pela cobertura jornalís­tica que recebeu, acabou tornando-se o evento montanhístico do ano.

Aspectos da via
A "Distraídos Venceremos" desenvol­ve-se no trecho mais extenso de rocha exposta da Pedra do Baú, na face voltada para São Bento, intercalando nas 3 e 4 corda­das iniciais, rampas de aderência ou agar­ras, com pequenas fissuras, diedros ou fendas de mão, que foram percorrido em escalada natural, sendo a proteção feita com equipamento móvel (friends grandes e nuts também grandes), 3 paradas (finais de cordada) foram feitas originalmente em móvel ou em proteção natural (árvo­re) e uma parada em chapeletas. A difi­culdade máxima encontrada neste trecho está em torno do 5° grau.
A cerca de 120 metros do chão insta­lou-se em bivaque para pernoite que foi mantido até o final da conquista, em pla­tôs de vegetação secundária (capim) e que serviu de ponto de partida no ataque à parte mais difícil da escalada, um trecho vertical que na maior parte é negativo e que consumiu os dias restantes da con­quista. Procurou-se evitar nesta parte o uso desnecessário de proteções fixas na pedra, algo que a ética moderna de mon­tanha classifica como "escalada limpa". Um pequeno trecho em artifical fixo (re­bites), foi aberto com o auxílio de uma furadeira elétrica, permitindo economia de tempo e do desgaste natural que ocor­reia se o mesmo trecho tivesse de ser aber­to no martelo. Nos cerca de 90 m deste trecho encontrou-se nesta primeira as­cenção dificuldades naturais de até 7° grau, e artificiais de A2 a A3.

Toda esta parte da escalada, com colo­ração avermelhada característica, apresentou grandes problemas aos escaladores em vista da descamação da rocha na forma de placas que iam desde pequenas agarras até platôs inteiros com dezenas de quilos, apresentando possibilidade de queda imi­nente para o guia e bombardeio garantido a quem ficasse abaixo.
A uns 20 m do cume a parede volta a apresentar-se mais simpática, com fissuras que permitiram o uso de material móvel, além de surgir um belíssimo platô (platô do anoitecer). A dificuldade desta passa­gem, em torno de 5° grau, pode aumentar no caso de umidade (neblina, chuva), co­mo ocorreu durante os dias de escalada.
Personagens
Outros acontecimentos e pessoas tive­ram destaque nesta história e por isso me­recem ser citados.
• O acidente com Elizabeth B. Frechou: este acidente ocorreu durante algumas to­madas para o programa Fantátisco da Rede Globo, após os repórteres pedirem ao es­calador Pauletto para puxar um saco de lona com equipo que iria ser usado na es­calada. Depois desta cena Pauletto prosse­guiu no reboque do saco enquanto o pes­soal abaixo se organizava para nova to­mada. 15 metros acima o saco engatou em uma grande pedra que soltou-se após pressão para liberar o reboque, atingindo Elisabeth. Rapidamente organizou-se o atendimento e evasão do local, enquanto pessoas desciam até São Bento em busca de socorro médico. Os repórteres da Glo­bo acabaram entrando na roda e dividi­ram o trabalho de remover Beth até a ambulância, que já havia chegado nesta al­tura. O resgate foi bem sucedido e Beth já se encontra em recuperação no momento em que este texto é escrito, apesar de 8 costeias quebradas. No momento do aci­dente, cerca de 12 pessoas encontravam-se na base da parede, além de equipo de escalada, material fotográfico, de vídeo, etc. O saco de reboque acabou parcial­mente destruído.
• A idéia de que a equipe do Baú preten­de escalar o Everest em 93: trata-se de uma pretensão até o momento apenas de Pauletto, que apresentou-se na imprensa como "o mais experiente dos 4 alpinistas que escalaram a Pedra do Baú" e chefe da expedição "Everest 93", os demais escala- . dores que participaram do evento tem, como é natural, inúmeros projetos dentro do montanhismo,. abstendo-se porém de divulgá-Ios, em respeito ao próprio even­to em si.

• Personagens fantasmas: ectoplasmas que estão em moda na crônica recente de nosso país e que apareceram também na escalada do Baú.
1. O "Japonês Taradão": conhecido es­calador paulista que logo que soube da realização da via apressou-se em aparecer em São Bento, exigindo um croqui da via, para repetí-la imediatamente.
2. O "espeleólogo trapalhão": explo­rador de cavernas e fotógrafo free-Iancer que cobria a escalada para uma revista de aventura e esportes de ação, este simpáti­co e prestativo personagem, acabou no entanto vrtima de um descuido durante uma descida noturna, causando um aci­dente e destruindo parte do seu equipo fotográfico.
3. Piton e Nut: vira-latas de Eliseu Fre­chou: pulavam em cima de todos os re­pórteres que apareceram em São Bento.
• Croqui da via: foi apresentado pelo es­calador Pauletto um croqui da via em um jornal paulista, com incorreções e deno­minações inexistentes. O croqui ilustrati­vo apresentado nesta matéria pode ser considerado o mais exato. Croquis téc­nicos podem ser solicitados aos demais es­caladores.


· A participação dos escaladores na via:

1. Eliseu Frechou: organizador do evento, contatando escaladores, profissio­nais da imprensa, patrocinadores e pessoal de apoio. Participou de 2 bivaques (per­noites) na parede, auxiliou nas tarefas de reboque do equipo, trabalhos fotografi­cos, conquistando cerca de 10 metros em escalada natural no trecho mais difícil da escalada, colocando uma - proteção fixa (rebite).

2. Edson Struminski (Du Bois). Abriu 3 cordadas cerca de 120 m em natural com equipo móvel no trecho inicial da escalada, um pequeno trecho em natural na parte mais difícil da parede, com uma proteção fixa e os 20 m finais da via também em móvel, participou de todos os biva­ques feitos na parede e realizou as tarefas comuns aos demais do grupo.

3. José Luiz Pauletto: também partici­pou das atividades gerais do grupo. Abriu a primeira cordada (cerca de 25 m) em natural, móvel da via, fixando 2 rebites ao final do trecho, 5 metros na segunda parte da escalada, com um rebite colocando ainda 4 rebites fixos em uma parada anteriormente feita em móvel por Du Bois. Participou de alguns bivaques na pa­rede, retirando-se durante a escalada pa­pra prestar declarações em jornais de São Paulo e emissores de TV voltando poste­riormente para a conclusão da via.


4. Bito Meyer: realizou como todos, as tarefas gerais do grupo, permaneceu em todos os bivaques necessários para a conclusão da via. Abriu os cerca de 90 me­tros mais difíceis e delicados da parede em escalada artificial móvel e fixo e natu­ral móvel e fixo.

O nome "Distraídos Venceremos" é uma homenagem a leveza de espírito do poeta paranaense de alma universal Paulo Leminski; um estudioso da filosofia orien­tal Zen, a qual possui muitos pontos em comum com o despojamento necessário para a realização de escaladas difíceis. Le­minski escreveu entre outros um livro de poemas com o título dado ao nome desta escalada e que vale a pena ser lido.
Bito Meyer, PR Eliseu Frechou, SP

Considerações
Como acontece nos bons filmes, a via "Distraídos Venceremos" acabou sendo um sucesso de público e de critica. A im­prensa preencheu suas necessidades de as­suntos interessantes para os seus consumidores, o patrocinador, a empresa de confecção TKTS teve amplo e variado retorno para os dólares investidos no evento, declarando-se plenamente satisfeita com o trabalho profissional os se a res; a população de São Bento sentiu-se li­sonjeada com a divulgação da cidade, retribuindo isto de forma carinhosa e hos­pitaleira e, finalmente, os montanhistas em geral acabaram recebendo uma nova via de escalada que, se não é a "melhor" ou coisa parecida do Brasil, certamente exigirá conhecimentos e experiência, brin­dando em troca aos escaladores que fo­rem repetí-la momentos de puro prazer no exercício da moderna técnica de esca­lada em rocha.

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